O Bispo Sardinha e os caetés



O Bispo Sardinha e os caetés

Embora haja historiadores, como Moacir Pereira, que refutem a localização do epi­sódio em nossas plagas, o naufrágio da nau Nossa Senhora da Ajuda, ocorrido a 16 de junho de 1556, que conduzia o bispo dom Pedro Fernandes Sardinha, redundando no aprisionamento e devoramento em terra pelos caetés de todos os tripulantes salvos das águas procelosas dos baixios de Dom Rodrigo, em Coruripe, serviu de pretexto para uma verdadeira guerra santa contra os nativos. Alagoas foi palco de um verdadeiro genocídio, pois um édito real condenou os caetés ao massacre e ao cativeiro
      




Versões contraditórias

Algumas versões sem consciência documental diziam que o chefe religioso e sua comitiva foram mortos por soldados do Governador Geral, uma vez que o bispo se dirigia a Lisboa para formalizar acusação contra o dirigente dom Duarte da Costa e seu filho, que entraram em irreconciliável confli­to. Havia ainda grande interesse pelas férteis terras do sul da capitania de Pernambuco, exatamente Alagoas, onde os caetés não aceitavam de bom grado, como outras tribos, a tomada de suas terras por invasores. Tropas aguerridas, bem armadas, formadas por portugueses e índios inimigos dos belicosos caetés garantiam as semarias oferecidas aos estrangeiros, matando sem tréguas os indígenas que resistiam à invasão

Como começaram as crises

Duarte da Costa, o governador geral, no poder até 1558, tinha plenos poderes dados pela Corte, graças a Tomé de Souza, seu protetor, mas nenhu­ma liderança. O fato se agravava pelo comporta­mento do filho do governador, Álvaro da Costa, solteiro, abusado, violento, que não hesitava em incendiar aldeias indígenas inteiras apenas para demonstrar força.
Em um sermão público onde condenava os excessos do jovem, dom Pero Fernandes Sardinha viu o feitiço virar contra o feiticeiro. Começaram prisões arbitrárias e violentas, até de religiosos, que apelavam ao bispo para acabar com as violên­cias.
Dom Pero decide ir ã Corte em 1556, mais para dar satisfações do que para pedir ajuda. Mas seu navio naufragou - ao que tudo indica - no litoral alagoano, e ele teve que nadar até a costa, onde foi tomado prisioneiro e, em um ritual cani­balesco, devorado pelos índios.
Sem habilidade diplomática e favorável à escravização dos nativos, o governador Duarte da Costa permitiu que seu filho Álvaro guerreasse os índios, incendiasse aldeias e se vingasse contra os indígenas.

A chamada guerra justa

O açúcar substitui o pau-brasil, que necessitava da cooperação indígena nas décadas iniciais, e agora era preciso expandir o plantio da cana e exterminar os ariscos gentios. A cruel guerra justa dizima os caetés e empurra os remanescentes para o interior. Afinal quem eram esses silvícolas, famosos, pela sua valentia, pela antropofagia, quê deu a nosso Estado hoje a denominação de terra dos caetés?
Oriundos do tronco tupi, parentes dos tupinaés e tupinambás, a palavra caeté (cau-eté) significava mata primitiva constituída das árvores gigantescas da nossa mata atlântica. Descendentes de um ramo dos tupinambás que desceram a famosa Ópera até a sua foz, indo pelos cânions do Velho Chico até o rio Coruripe, onde os peixes ganha­vam o mar após a desova, eles passaram pela série de pequenas lagoas, o rio São Miguel e o Roteiro até se depararem com a Manguaba e a Mundaú, e daí até a fronteira de Pernambuco.
     Cisão entre a caetés

Segundo Moacir Pereira "ainda no século XY houve uma cisão entre os caetés, sendo que um grupo deles ocupou uma parte do nordeste per­nambucano, separando-se do núcleo da nação, transformando-se os dissidentes em Tabajaras e avançando para o norte, chegando até o Ceará e o Maranhão". A sangrenta Guerra dos Caetés, liderada por Jerônimo de Albuquerque, durou quase cinco anos e a população daquela época seria a de uns 80.000 índios. Como resultado da guerra despovoou-se o território e provocou a vinda do braço negro para o florescente pólo açu­careiro da Nova Lusitânia, agora livre dos verda­deiros donos da terra. Edificava-se o latifúndio, a sociedade dos engenhos, da casa grande e da senzala.


A deserdem criada por um governo incompetente e omisso

Entre os dois governos rígidos e austeros impostos por Tomé de Souza e Mem de Sá, o Brasil esteve entregue à incompetência de Duarte da Costa, o segundo governador-geral da colônia. Senador em Lisboa, Duarte deixou a Corte para chegar ao Brasil em maio de 1553, com seu filho dom Álvaro e mais 260 pessoas, entre elas o noviço José de Anchieta.
Um conflito entre dom Álvaro e o primeiro bispo do Brasil, dom Pero Fernandes Sardinha provocou a desordem e a anarquia dos cinco anos seguintes. Dom Sardinha queria apresentar suas queixas ao rei, razão pela qual embarcou em maio de 1556 na nau Nossa Senhora da Ajuda, rumo a Portugal.·A embar­cação naufragou e dom Pero mais 91 náufragos foram massacrados e devorados pelos caetés. Como revide, Mem de Sá autorizou o massacre dos caetés.
A administração nefasta de Duarte da Costa veio somar-se o dilema da chegada de Nicolas Villegaignon e 80 franceses ao Rio de Janeiro, dispos­tos a fundar a França Antártica. Duarte da Costa pre­feriu a omissão ao confronto.
Após três governos-gerais, a Corte viu a dificul­dade de um homem só administrar. O Brasil foi divi­dido, com o governo do Sul no Rio de Janeiro, para a área de Porto Seguro para baixo, e o governo do Norte em Salvador, para o resto do País. Em 1578, foi tudo novamente unificado, e assim ficou até 1719.

 Prof. Luciano cavalcante

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